quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

... O AMANTE INVISÍVEL- final


Viestes hoje vestido de deus, um orixá. Xangô, cansado de lutas vencidas, vitorioso. Todas tuas mulheres amadas e orgulhosas de serem suas eleitas. Dormiste com todas, és deus não cansa. Está agora em meu leito, abraço-o, não sou deveras uma das preferidas, porque também sou homem na arte da guerra, me vencestes uma vez, e aqui estou.Também me amas? Não penso, nisso. Basta-me meu momento. Descansa entre minhas pernas, com teu peito nu, nádegas masculinas sobre mim. Sou teu conforto, teu repouso, tua mulher mais velha, plantamos juntos o amanhecer. Usamos os mesmos facões, lambemos os lábios de sangue alheio respingados. Não sou tua conselheira, sou tua loucura. Tua Obá.



Uma lágrima curta apenas lhe turvou a visão. Tomando água num copo laranja. Decidiu por fim àquele luto, separação entre pessoas vivas. E assim, um tanto nervosa, aguardava um encontro com um michê. Bonito não, belo. Um nome italiano, de mentira com certeza, mas não ligou. Conversaram amenidades. Deus! Teria a idade de seus mais jovens alunos universitários. Tinha plena convicção de seus dotes sexuais. Usava uma cueca branca, enlouquecedoramente sensual, cobrindo aquele monte que já piava. Ela achou que ele tinha a tal da pegada. A abraçava, deslumbrava-se por estar com a "professora". Mordia-lhe o pescoço, e tocava-lhe os seios numa volúpia jovem, rodopiava com ela num abraço, levantando a do chão. Mas mesmo assim nossa católica, esotérica e simpatizante do candomblé, senhora de quarenta e uns não libertou sua criança interior e brincou de médico. O bonitão, "moreno, alto e sensual", não parava de lhe chamar de cachorra. Claro que a intenção dele era excitá-la. As cadelas são fêmeas fantásticas, assediadas no cio por vários cães, escolhe. Por maior que seja o cão, só acontece a cópula se ela assim o permitir. Mas aquilo a irritou. Não podia ser outro bicho, leoa? Lembrando do seu amante imaginário leão.

Resolveu fantasiar um pouco, sexo sem afeto, parece mas não é tão simples. E ela estava pagando. Desprezava-o, como os homens fazem com as prostitutas. Aquela moralzinha cristã começava a incomodar. Mas continuou. O rapazinho era um muro cultural em relação a ela, intransponível. Usou da sua didática e foi explicando o jogo: explica "desenhando" que leu O Insaciável Homem Aranha de um autor cubano, Pedro Juan Gutiérrez. Queria que ele a chamasse de Ivone, uma personagem voluptuosa e vadia que fazia amor enlouquecidamente com um homem casado. Ele branco, ela negra. Vai me chama de Ivone. Ela o chamou de Pedro, e aceitou por alguns momentos os carinhos que lhe arranhavam as costas por baixo da blusa. De repente cansou. Cansou do cachorra. Do cheiro de sexo real do rapaz. Da ignorância de tantas coisas que o pobre tinha. Abraçando-o disse: Minha última flor do lácio, inculta e bela. O verso de Olavo Bilac nunca foi tão incompreendido. Decidida, e inegociável, pagou-o em espécie. E o conformou, elogiando-lhe a beleza, seu coração não estava ali, e seu corpo não obedecia, apesar de tremer de desejo e sentir uma dor de solidão no útero.

Voltou para casa. Havia uma lua cheia, daquelas que dá vontade de urrar. As flores amarelas do jardim pareciam cintilantes. Outra noite que dormiria nua. Torcia para que seu amante aparecesse de Shiva e trouxesse um sexo tântrico, sagrado. Se no ocidente só se chega a salvação pela dor, os orientais inventaram o tantra, pode-se chegar a salvação pelo prazer, por não? Por que não dar componentes sagrados a sexualidade. Totalmente condenada pela prática cristã católica.

Voltaste hoje à madrugada. Teu incrível cheiro de mar invadiu meu quarto, misturando-se com cheiro de sexo de mulher quando acorda.
Vieste vestido de Cristo, andando sobre as águas. Equilíbrio. Então me veio a imagem de um jangadeiro que domina solitário a água, com sua imensa vara, vi uma vez, lá no Delta do Parnaíba. Ficou à porta, esperando um convite, já que tento te esquecer. Trouxe mel.
Para adoçar meu coração.Te abraço, chora um pouco no meu ombro. E pela primeira vez amo imensamente um homem frágil. Ficas por baixo dessa vez, e te possuo. Te beijando os olhos fechados. Não te trago a espada, te dou a paz. Dormes bastante depois do amor, fico vigiando teu sono, besta com tua beleza. Parece suavemente sereno, teu minuto de paz, em quinhentos anos de inferno.









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