segunda-feira, 16 de junho de 2008

A MAIS BELA MORTE




Madrinha Dourada, já quase aos oitenta, descendentes de índios, quase sem dentes, lavadeira imprescíndivel às patroas brancas do Bairro de Fátima, tomava uma caninha. Não lembro do que morreu, da cachaça, de cirrose, de simpatia, de dignidade, não sei. Morreu no fim de tarde, e por toda a noite, nós os vizinhos, filhos dos vizinhos (eu) a velamos por toda a madrugada. Acho que foi a primeira madrugada que passei acordada, deslumbrada com a morte e sua mortalha. Morte calma de madrinha Dourada, deixou seu Dourado viúvo. Morreu como um passarinho, diziam os mais velhos. Mas eu sempre achei morte de passarinho mais dramático.
Mais tarde morreu um tio desconhecido. Nessa época já crescida, tinha pavor de defuntos, costume nordestino, minha mãe me obrigou a vestir as meias no finado. Um horror. Mas pasmem desde daí, nunca mais senti medo de quem já morreu.
Na adolescência, menina complicada, angustiada, patinha feia, fui por algum tempo mórbida, enamorada pela danada da morte. Um amigo, irmão das antigas, quebrou meu cristalzinho transparente. Ensinou-me espiritismo kardecista. A alma sobrevive a morte do corpo. E tome aqueles passes que deixam a gente zen, viciada que nem sacristão em hóstia. Tornei-me louca pela vida, quer dizer, isso depois da experiência psicótica.
Lembro agora de Sinval, um garotinho de três ou quatro anos, filho adotivo de uma prima do interior. Chegou à Teresina para um sério tratamento de saúde, filho quase abortado de uma alcolátra, tremia as mãozinhas e tinha algum problema no coração. Fez uma delicada cirurgia, morreu numa bela manhã de final de maio, muito vento, sol, luz. Velamos seu corpinho, num caixão azul na capela do cemitério, sem curiosos. Porque a morte é pública.
A morte é pública e tantas mulheres lindas, que andam toda a vida maquiadas, vão lá em suas mortalhas horrorosas, sem que uma amiga lhe passe um batom, nos lábios amarelos, sem sangue. Morte ruim.
E os poetas que morriam e ainda morrem de excesso. Por favor caríssimos artistas, heróis que morrem de overdose, agora que o prazer é um risco de vida, morrem de AIDS. Pintem mais um quadro, componham mais uma música, mais uma poesia, façam mais um filme ou lembrem duma amada preocupada.

RÊ BORDOSA

RÊ BORDOSA
TUDO DE DOIDA!

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