domingo, 27 de janeiro de 2008

UM POETA ... final



Se chamava Raimundo, como milhares de nordestinos, rimava com mundo, não com solução, como no poema do Drumond.Chegara os anos dois mil. O mundo racional weberiano falhou, a ciência não resolveu tudo. A era de aquário como farsa e preponderante, num mundo que continua encantado. Com milhões de empresas da alma, diria o velho, sempre certo, camarada, Marx. Das técnicas do Segredo aos tradicionais terreiros, continuamos a barganhar com os deuses. Deus abençoe teu dinheiro, diz o pastor da universal.

Porra - sua palavra preferida, contrariando sua professora, as mulheres emprenham com palavras poéticas e ficam excitadas com palavrões - faria quarenta anos esta semana. Bebendo feito doido naquelas esquinas do IFICH, estava numa pós-graduação na UNICAMP. Estrangeiro em seu próprio país. Perguntava-se estaria passando por uma crise existencial. Seria as mudanças físicas que o preocupavam? Era um bem-amado, solteirão por opção. Era grilado com esse negócio biológico de mulher querer fazer ninho. Era Shiva, na caverna contemplando, sofrendo amor perdido. Sem querer saber de responsabilidade. Ainda tinha mãe, uma generosa porção de ficantes, reais ou virtuais, não negava a fama de bons amantes dos martins.

Mas, esfera uma vez cortada pelos deuses, jamais emendada que somos, nosso poeta, tinha um chafurdo na cabeça. Amava, com pavor dessa palavra, como bom macho, digno representante da espécie, duas mulheres. Para não citar nomes, usando pseudônimos, uma coxa Rosa Luxembugo e uma fruta estrangeira Billie Holiday. Quando fazia amor com uma, era preciso cuidados com a perna. Ela era militar, que nem sua mãe, mas gostava dos sorrisinhos ternos dela, debaixo dele, lhe mordendo a orelha. A outra tinha gosto de uva daquela mulher do rio. Era o cão da nega de volta. Intelectualzinha de merda, ainda falava de amor sem dor. Bebia, fumava, andava atrás de negão africano. Aos montes no campus, estudantes de cursos que não sejam de humanas. Mas reclamava da cultura africana machista. A primeira era flor no jardim, fácil de colher, a outra, perfume fugaz da mesma flor, que lhe escapava. Ambas liam Mulheres inteligentes, escolhas insensatas. Uma olhava o mar, a outra sob o sol, ambas eram aconselhadas por uma austera senhora chamada Racionalidade, muito despeitada com a felicidade.

Ou isto ou aquilo, lembrou do poema de outro grande amor, Cecília Meireles. Fodam-se, exclamou, lambendo dos lábios a espuma da cerveja, pior é que foderiam sim, com outros, corrigiu-se. Lembrou do namorado poeta-publicitário da Rê Bordosa, meio doido que nem ele. Putz. Enojou-se. Porra, quarentão a partir de amanhã. De cachorrão a lobão, num pulo. Bem-vindo a idade da razão. Parabéns! Disse a si mesmo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Já que citou Cecília o que mais se aproximaria do meu Eu lírico se fosse capaz de escrever, abri aleatoriamente o livro Melhores Poemas e deu nisso:
Pássaro
"Aquilo que ontem cantava
já não canta
Morreu de uma flor na boca:
não do espinho na garganta.

Ele amava a água sem sede
e, em verdade,
tendo asas, fitava o tempo,
livre de necessidade.

Não foi desejo ou imprudência:
não foi nada.
E o dia toca em silêncio
a desventura causada.

Se acaso isso é desventura:
ir-se a vida
sobre uma rosa tão bela
por uma tênue ferida.
passa uma faixa de morte tranquila.
Como quem leva para a terra um filho morto,
levam seu próprio corpo, que baila e cintila.

Os homens gordos olham com um tédio enorme
as dez bailarinas frias.
Pobres serpentes sem luxúria,
que são crianças, durante o dia.
Dez anjos anêmicos, de axilas profundas, embalsamados de melancolia.

Vão perpassando como dez múmias,
as bailarinas fatigadas.
Ramo de nardos, inclinando flores
azuis, brancas, verdes, douradas.
Dez mães chorariam, se vissem
as bailarinas de mãos dadas

RÊ BORDOSA

RÊ BORDOSA
TUDO DE DOIDA!

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