
Quando às vezes o mar soluça tristemente
A praia abre-lhe os braços, e deixa-o a gemer;
Embala-o com amor, de leve, docemente,
E canta-lhe cantigas pra adormecer!
Triste Destino (fragmento)
Florbela Espanca
"ando seco.
a pena esturricou.
o coração fechado
pra balanço
do barco.
um caco
de telha
sem uso.
intruso,
em meu próprio
castelo de espelhos.
todos os que percebo,
todas as sombras e a base,
são mesmo o fim da escada.
e não me peçam mais nada.
eternos espinhos cravados.
metáforas gastas e pobres.
deixem-me torrar os cobres,
nos sons da poesia alheia.
nessa gente feita de areia.
tudo emancipado e nu.
tudo acidente, sem conexão.
até que chova em meu coração.
Alguns deles me dizem que vai passar.
Outros me garantiram que vou levar tudo isso vida afora, mas que com o tempo acostuma.
Eu sei cada vez mais, que ela sempre foi o meu melhor público.
A risada e o choro me empurravam além, um pouco mais criativo, um minuto mais de experiência.
Mas ela se foi e agora carrega o filho dele.
E a vida ficou insuportável a maior parte do tempo.
Nas noites frias do inverno aqui no sul, então, uh lalá.
Pra não viver o tempo todo chorando e me lamentando,
Pra não ser ainda mais chato do que costumo ser,
Invento maneiras de fingir que vale a pena continuar vivo.
Chamo isso de auto-ilusão.
A que mais me acalenta na hora do desespero, amada,
É sonhar que um dia a gente ainda vai ficar junto.
Que a tua escolha em ficar com ele, não foi bem uma escolha,
Mas uma espécie de pressão que o mundo fez.
E naquele momento te pareceu a que menos te faria sentir dor.
Mas lentamente teu olhos se abrirão (esse é a minha auto-ilusão preferida)
E tu descobrirás que ficar ao meu lado é a única forma de felicidade autêntica,
Nesse planetinha azul, nem que seja quando tu estiveres velhinha,
Com teus cabelos brancos e cercada dos netos que tu tanto sonhas.
De mãos dadas comigo, olhando o dia terminar, chorando de felicidade, em silêncio,
Achando que viver valeu a pena.