sexta-feira, 30 de maio de 2008

CONFISSÃO




Aborreço-te muito. Em ti qualquer cousa
De frio e de gelado, de pérfido e cruel,
Como um orvalho frio no tampo duma lousa,
Como em doirada taça algum amargo fel.

Odeio-te também. O teu olhar ideal
O teu perfil suave, a tua boca linda,
São belas expressões de todo o humano mal
Que inunda o mar e o céu e toda a terra infinda.

Desprezo-te também. Quando te ris e falas,
Eu fico-me a pensar no mal que tu calas
Dizendo que me queres em íntimo fervor!

Odeio-te e desprezo-te. Aqui toda a minh`alma
Confessa-to a rir, muito serena e calma!
................................................................................
Ah, como te adoro, como eu te quero amor!....

Florbela Espanca

quarta-feira, 21 de maio de 2008

A VIDA É UM SONHO


Não te aproximes, mulher misteriosa, para me conhecer,
é mais sonho a vida que algo concreto.
Tua voz é algo inalcançável para mim, a mulher, a esperança,
a que todo poeta tem na alma, a perfeição.

Quando te tiver próxima já serás, apenas, vulgar matéria.
Sim, serás mais humana, mais verdade, serás por fim real,
mas estarão findos meus sonhos de louco poeta,
pois só sou humano quando estou em meu mundo irreal.

Quando estiveres ao meu lado já não serás minha musa;
serás o inalcançável com tua mão estendida,
essa mão que nunca conseguirei estreitar.
E teu braço será a testemunha que acusa
a quem lhe responda, que a vida não é assim,
que vá!, que vá!

Ramón Sampedro
(Cartas do Inferno)

quinta-feira, 15 de maio de 2008

DESEJO


O eterno retorno é uma idéia misteriosa, e Niestsche, com essa idéia, colocou muitos filósofos em dificuldade:pensar que um dia tudo vai se repetir tal como foi vivido e que essa repetição ainda vai se repetir indefinidamente! O que significa esse mito insensato?
(Milan Kundera)


Sentia desejo em todo seu corpo. E apesar do medo da repetição niestschiana. Do medo de morrer louca como o filósofo, escrevendo cartas alucinadas:"Aridne, eu te amo". Enlouqueceu porque perdeu um jogo de dados com Deus e amava desbragadamente a arte, era um Dionísio. Ela, nossa personagem, aquela que eu já quis matar várias vezes, impedida por amigos piedosos acordara hoje de um surto psicótico. Passara alguns dias nesse país das maravilhas fantásticas que é a loucura. Não escrevo com a decência de uma Clarice Lispector, sutileza e um conhecimento da alma humana que invejo, entrego logo o doce à criança, não tenho paciência, de explicar que doce em demasia estraga os dentes.
O desejo e a razão são sentimentos opostos. O desejo pode comparar-se a um poeta indecente, homem voluptuoso e belo, tentador sempre e a razão, pobre mulher, cega como a justiça, tentando guiar-se pelas ruas com sua varinha, as escuras, com a ajuda de um ou outro, mas altiva e confiante em seus outros sentidos que a salvam das quedas.
O desejo é o abismo. Doce como bombons finos, elegantes. Melhor não tocar, pensa a mulher-razão, são caros, posso pagar com dor. Todo seu corpo, apesar do desejo se retraí a idéia, instinto de conservação da sanidade. Mas impedir que seu corpo o sinta, é uma ordem cruel demais dada ao cérebro, que se rebela a aceitá-la. Então seu corpo que não a obedece, senão a biologia. Todos os seres humanos na sua diversidade, todas as pessoas são fruto de uma relação sexual, não necessariamente duma relação de amor, mas do desejo. Lembra que a cadela da casa está novamente prenha. Espera ansiosa beijocar os novos e peludos cahorrinhos.
Seios e vulva, bunda, coxas, dedos do pé e mãos desejam o outro. A língua o sabor de um falo.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

SEPARAÇÃO


De repente do riso fez-se o pranto Silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fez-se a espuma E das mãos espalmadas fez-se o espanto. De repente da calma fez-se o vento Que dos olhos desfez a última chama E da paixão fez-se o pressentimento E do momento imóvel fez-se o drama.

Soneto da Separação
Vinícius de Morais

domingo, 11 de maio de 2008

VIVER DENTRO DA VERDADE


É uma fórmula que Kafka usou num diário ou numa carta. Franz não se lembrava bem. Estava seduzido por essa fórmula. O que era viver dentro da verdade? Uma definição negativa era fácil: era não mentir, não se esconder, não dissimular nada. Depois que conhecera Sabina vivia na mentira. Conversava com sua mulher sobre congressos em Amsterdã, conferências em Madri que jamais haviam acontecido, tinha medo de passear com Sabina nas ruas de Genebra.
Acha divertido mentir e esconder-se, já que nunca o fizera antes. Sente o prazer de um primeiro aluno da turma que decide um dia, finalmente, fazer gazeta.
Para Sabina, viver dentro da verdade, não mentir nem para si nem para os outros, só seria possível se vivêssemos sem público. Havendo uma única testemunha de nossos atos, adaptamos-nos de um jeito ou de outro aos olhos que nos observam, e nada mais do que fazemos é verdadeiro. Ter um público, pensar no público, é viver na mentira. Sabina despreza a literatura em que o autor revela todo a sua intimidade, e também a de seus amigos. Quem perde sua própria intimidade perde tudo, pensa Sabina. E quem a ela renunciar conscientemente é um monstro. Por isso Sabina não sofre por ter de esconder seu amor. Ao contrário, para ela esta é única forma de viver "dentro da verdade".
Quanto a Franz, está convencido de que na separação entre sua vida privada e sua pública está a fonte da mentira. Para Franz, viver "dentro da verdade" é abolir a barreira entre o privado e o público. Mencionava, com prazer, a frase de André Breton em que ele dizia que gostaria de viver "numa casa de vidro" onde nada é secreto e que estar aberta a todos os olhares.
Ao ouvir sua mulher dizer a Sabina "Que jóia horrorosa!", compreendera que era impossível continuar vivendo nesse desdobramento. Naquele momento deveria ter tomado a defesa de Sabina. Se não o fez, foi unicamente por medo de revelar seus amores clandestinos.

Da biblía

RÊ BORDOSA

RÊ BORDOSA
TUDO DE DOIDA!

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Teresina, Nordeste...Piaui, Brazil